31/05/09

DIREITO E DEVER DE VOTAR

Nota Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa sobre as próximas eleições


Votar, um exercício de cidadania 

1. Neste ano de 2009, os cidadãos portugueses serão chamados a participar em três actos eleitorais: Parlamento Europeu, Assembleia da República e Autarquias Locais. 
Dada a importância social e política que as eleições revestem num regime democrático, este acontecimento não nos pode deixar indiferentes. 
A Igreja, na linha de pensamento de Paulo VI, continua a considerar a acção política como uma “arte nobre”. 
Dentro da missão que nos é própria, sentimos o dever de proporcionar aos cristãos das nossas comunidades, e aos cidadãos em geral que estejam abertos a ouvir a nossa voz, um contributo que estimule o dever de votar e ajude a exercer este direito, em liberdade de consciência esclarecida. 
Não há democracia sem participação. Corrigem-se as suas limitações, também com a participação, consciente e activa, que um acto eleitoral proporciona. Estas não podem dar lugar ao alheamento dos cidadãos. Antes, devem ser motivo de um seu maior empenhamento. 
Os cristãos devem sentir o dever de votar, bem como de se esclarecerem sobre o sentido do seu voto. Um dever de consciência do qual não se podem moralmente eximir, e que servirá ainda de exemplo aos mais jovens, tantas vezes alheados da construção de um futuro, que especialmente lhes pertence. 

Candidatos ao serviço do bem comum 

2. É fundamental que os eleitores tenham consciência do que está em causa quando se vota. Os responsáveis políticos têm o dever de formular programas eleitorais realistas e exequíveis, que motivem os eleitores na escolha das políticas propostas e dos candidatos que apresentam. Este dever exige dos mesmos responsáveis a obrigação de visar o bem comum e o interesse de todos, como finalidade da acção política, propondo aos eleitores candidatos capazes de realizar a sua missão com competência, cultura e vivência cívica, fidelidade e honestidade, sempre mais orientados pelo interesse nacional, que pelo partidário ou pessoal. Ser apresentado como candidato não é uma promoção ou a paga de um favor, mas um serviço que se pede aos mais capazes. 
Os regimes democráticos, como as pessoas que neles actuam mais visivelmente, não são perfeitos. A política é acção do possível. É, porém, necessário que se vão alargando sempre mais as margens do possível, para que a esperança não dê lugar a desilusões. 

Três actos eleitorais distintos 

3. Julgamos útil dizer uma palavra motivadora, sobre os actos eleitorais que se aproximam. 

Eleições para o Parlamento Europeu. A entrada de Portugal na União Europeia foi uma opção compreensível e realista, em virtude da qual o país já muito beneficiou. Dissemos, por ocasião das eleições para o Parlamento Europeu em 1994, que esta instituição se podia classificar como “uma das mais importantes expressões da consciência da nova Europa comunitária”. 
Mas a Europa, que se quer unida e de todos, tem no seu seio focos de divisão, provocados por ideologias e interesses nacionalistas. Importa não deixar anular o contributo cultural e espiritual dos países que integram a União, o qual enriquecerá o conjunto europeu. 
O Parlamento Europeu é o espaço para a proclamação e defesa dos valores morais e éticos da Europa, que a defenderão na sua identidade histórica e cultural. Os candidatos propostos a deputados europeus devem possuir cultura e capacidade interventora para esta missão. 

A Assembleia da República é o principal órgão legislativo do país. Sem objectivos claros, e sem leis adequadas e respeitadoras da realidade e do bem comum, o país não pode progredir. 
A Assembleia, constituída por deputados propostos pelos partidos políticos, é um lugar vocacionado para construir a unidade e o progresso da nação. Os seus membros devem empenhar se no maior bem da comunidade nacional, ocupando se com os problemas e situações mais graves que urge resolver. 
A diversidade dos deputados e dos partidos é enriquecedora. Não menospreza nem anula o contributo de todos. No acto de votar, há que estar atento para ver se os candidatos apresentados pelos partidos dão garantias de poderem realizar o que deles legitimamente se espera. 

A eleição para as Autarquias Locais tem merecido o maior interesse das populações e, por isso mesmo, nela se tem verificado a menor abstenção. Os eleitores conhecem as necessidades concretas, as pessoas propostas com a sua competência e honestidade, os méritos e os desvios do trabalho até ali realizado. Tudo isto, para os eleitores, se torna determinante. O momento presente convida a uma maior atenção para que se possa denunciar quem não serve, nem dá garantias. 

Critérios e valores a respeitar e promover 

4. Em todas as eleições, como na acção política normal, o critério fundamental deve ser a pessoa humana concreta, servida e respeitada na sua dignidade e direitos. Assim poderá satisfazer também os seus deveres. É este respeito e cuidado que permite realizar a humanização da sociedade. 
Ninguém deve esperar que um programa político seja uma espécie de catecismo do seu credo, mas um modo de compromisso para a solução dos problemas do país. Neste sentido, enumeramos alguns critérios que consideramos importantes para escolher quem possa melhor contribuir para a dignificação da pessoa e a realização do bem comum: 
– promoção dos Direitos Humanos; 
– defesa e protecção da instituição familiar, fundada na complementaridade homem mulher; 
– respeito incondicional pela vida humana em todas as suas etapas e a protecção dos mais débeis; 
– procura de solução para as situações sociais mais graves: direito ao trabalho, protecção dos desempregados, futuro dos jovens, igualdade de direitos e melhor acesso aos mesmos por parte das zonas mais depauperadas do interior, segurança das pessoas e bens, situação dos imigrantes e das minorias; 
– combate à corrupção, ao inquinamento de pessoas e ambientes, por via de alguma comunicação social; 
– atenção às carências no campo da saúde e ao exercício da justiça; 
– respeito pelo princípio da subsidiariedade e apreço pela iniciativa pessoal e privada e pelo trabalho das instituições emanadas da sociedade civil, nomeadamente quando actuam no campo da educação e da solidariedade… 
O eleitor cristão não pode trair a sua consciência no acto de votar. Os valores morais radicados na fé não podem separar se da vida familiar, social e política, mas devem encarnar se em todas as dimensões da vida humana. As opções políticas dos católicos devem ser tomadas de harmonia com os valores do Evangelho, sendo coerentes com a sua fé vivida na comunidade da Igreja, tanto quando elegem como quando são eleitos. 

Apelo aos candidatos e eleitores 

5. Reconhecendo a acção política como uma “arte nobre”, não podemos deixar de apelar, aos políticos em acção e aos candidatos à eleição, que se empenhem, com o seu exemplo e testemunho, em dignificar a actividade política, na edificação de uma sociedade justa e fraterna, sempre possível e mais necessária numa sociedade plural e democrática. 
A Igreja não tem nem pretende ter nenhum partido político, mas não esquece o seu papel na defesa da democracia, reconhecido pelos políticos mais lúcidos e pelo povo, bem como o seu empenhamento nas causas sociais, onde o bem de todos e a solidariedade exigem a sua presença. 
Vemos, com esperança, as próximas eleições, dada a importância que têm neste momento europeu e nacional, e tudo faremos pelo seu êxito, estimulando os membros das comunidades que nos estão confiadas, para que exerçam o seu direito e dever de votar, em consciência e liberdade. 


Fátima, 23 de Abril de 2009

29/05/09

JORNADAS DE NÚCLEO CENTRO - CURSISTAS



Movimento dos Cursilhos de Cristandade

   No passado domingo, dia 17 de Maio, deslocaram-se à praia de Mira mais de cinquenta cursistas da nossa Diocese a fim de participarem nas Jornadas de Núcleo Centro do Movimento dos Cursilhos de Cristandade.

   Com elevado número de participantes das Dioceses de Aveiro, Leiria-Fátima, Coimbra, Santarém e Portalegre - Castelo Branco, a temática abordada pelo Reverendo Padre Francisco Pereira da diocese de Leiria-Fátima, “Intervenção do Cristão na Vida Política”, revelou-se bastante pertinente devido ao período eleitoral que se aproxima no nosso país.

   Despertando algumas consciências mais adormecidas para os aspectos políticos, desinstalando comodismos, lembrou que o cristão, sendo um cidadão do mundo, deve actuar como tal, colaborando para tornar a sociedade mais justa e mais verdadeira.

   Convictos de que todo o poder vem de Deus e que, portanto, deve ser entendido como um serviço, o cristão deve colaborar numa sociedade que implemente a lei de Deus na cidade dos homens.

   Lembrou ainda o Padre Francisco que a tarefa da Igreja na política consiste em iluminar as consciências dos homens e que, apesar da política ser a arte dos compromissos, o cristão deve ser claro mas sem compromissos.

   Após alguma partilha de testemunhos de irmãos que desempenham cargos políticos, seguiu-se o momento alto da Eucaristia que terminou com a apresentação do hino das comemorações dos cinquenta anos do Movimento dos Cursos de Cristandade em Portugal, uma vez que estas jornadas foram inseridas nas referidas comemorações, às quais a nossa diocese de Portalegre-Castelo Branco dará continuidade com uma Ultreia Diocesana já no próximo mês de Junho.

   Deixamos a nota que a vivência do quarto dia se enriquece com os encontros e a partilha com os irmãos pois ninguém caminha sozinho!

De Colores!                      

Casal Ferreira

VOTAR E EM QUEM

COMISSÃO DIOCESANA DE JUSTIÇA E PAZ 

Diocese de Portalegre - Castelo Branco


         A participação é um dos princípios da Doutrina Social da Igreja e “exprime-se, essencialmente, numa série de actividades mediante as quais o cidadão, como indivíduo ou associado com outros, directamente ou por meio de representantes, contribui para a vida cultural, económica, política e social da comunidade civil a que pertence: a participação é um dever a ser conscientemente exercido por todos, de modo responsável e em vista ao bem comum” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, nº 189).

Nos dias de hoje, assiste-se a um grande individualismo, com uma atenção muito centrada nos problemas próprios, ignorando-se as situações dramáticas dos que estão em redor. É certo que existem exemplos de solidariedade e empenhamento social.

Por outro lado, observa-se uma apatia e um imobilismo na sociedade, onde a intervenção activa e construtiva de alguns anda a par com a crítica azeda e desencorajadora de muitos. É neste contexto social, muito resumidamente caracterizado, que surge, a partir de agora e até quase ao final do ano, o período eleitoral no nosso País.

Ao cristão responsável, como cidadão e como membro interventor na sociedade, coloca-se-lhe, de imediato, perante o panorama político que tem ante si, o exercício de dois direitos mas, também, de dois deveres: o de votar e o de escolher conscientemente em quem vota.

A democracia trouxe-nos a possibilidade de sermos co-autores na construção dos desígnios do nosso País e, de certo modo, da Europa em que nos inserimos, através do voto. Não exercendo esse direito, estamos a alhear-nos dessa construção. Ora a política, quando bem exercida, implica que aqueles que a praticam se ponham ao serviço de todos, tentando encontrar as soluções para os dramas que afligem os homens e as mulheres de hoje, procurando saídas de justiça e de paz para os problemas que se vão apresentando. Por isso, colocar-nos à margem desse direito é faltarmos a um dever: o de participar na organização duma sociedade melhor.    

Surge, agora, uma outra questão: quem escolher? A quem, de entre o leque de opções que se nos colocam, delegar a nossa quota-parte de participação na construção da tal sociedade melhor?

O cristão tem que procurar encontrar de entre as organizações, partidárias ou não, que estão disponíveis ao eleitorado, aquela que melhor compatibilize os valores que orientam e sustentam a sua vida com as soluções que são propostas.

O cristão tem que saber olhar de frente para o mundo. E isso implica, quando necessário, o assumir de responsabilidades nas instituições sociais ou exercendo, voluntariamente, trabalhos de natureza cultural ou social.

Mas esse olhar de frente para o mundo também pode implicar o exercício de funções nas instituições políticas, se para isso se sentir vocacionado. Ora, o exercício dessas funções exige estar sempre ao serviço dos outros na procura do bem comum.

É certo que cada um, no seu quotidiano, seja ele na política activa ou no empenhamento cívico longe da ribalta, tem sempre a possibilidade de contribuir para uma humanidade melhor. Mas, sem dúvida, que o voto consciente poderá reforçar essa sua contribuição.


Portalegre, 28 de Maio de 2009

22/05/09

PAI NOSSO

Cristão: "Pai nosso que estais no céu..."
Deus: Sim? Estou aqui.
Cristão: Por favor, não me interrompa, estou rezando!
Deus: Mas você me chamou!
Cristão: Chamei? Eu não chamei ninguém. Estou rezando. Pai nosso que estais no céu...
Deus: Aí, você chamou de novo.
Cristão: Fiz o quê?
Deus: Me chamou. Você disse: Pai nosso que estais no céu. Estou aqui. Como é que posso ajudá-lo?
Cristão: Mas eu não quis dizer isso. É que eu estou rezando. Rezo o Pai Nosso todos os dias, me sinto bem rezando assim. É como se fosse um dever. E não me sinto bem até cumpri-lo...
Deus: Mas como podes dizer Pai Nosso, sem lembrar que todos são seus irmãos? Como podes dizer que estais no céu, se você não sabe que o céu é a paz, que o céu é amor a todos?
Cristão: É, realmente ainda não havia pensado nisso.
Deus: Mas, prossiga sua oração.
Cristão: Santificado seja o vosso nome...
Deus: Espere aí! O que você quer dizer com isso?
Cristão: Quero dizer... quer dizer, é... sei lá o que significa. Como é que vou saber? Faz parte da oração, só isso!
Deus: Santificado significa digno de respeito, Santo, Sagrado.
Cristão: Agora entendi. Mas nunca havia pensado no sentido da palavra SANTIFICADO. "Venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu..."
Deus: Está falando sério?
Cristão: Claro! Porque não?
Deus: E o que você faz para que isso aconteça?
Cristão: O que eu faço? Nada! É que faz parte da oração, além disso seria bom que o Senhor tivesse um controle de tudo o que acontecesse no céu e na terra também.
Deus: Tenho controle sobre você?
Cristão: Bem, eu frequento a Igreja!
Deus: Não foi isso que eu perguntei. Que tal o jeito que você trata os seus irmãos, a maneira com que você gasta o seu dinheiro, o muito tempo que você dá a televisão, as propagandas que você corre atrás, e o pouco tempo que você dedica a mim?
Cristão: Por favor, pare de criticar!
Deus: Desculpe. Pensei que você estava pedindo para que fosse feita a minha vontade. Se isso for acontecer tem que ser com aqueles que rezam, mas que aceitam a minha vontade, o frio, o sol, a chuva, a natureza, a comunidade.
Cristão: Está certo, tens razão. Acho que nunca aceito a sua vontade, pois reclamo de tudo: se manda chuva, peço sol; se manda o sol, reclamo do calor; se manda o frio, continuo reclamando; se estou doente, peço saúde, não cuido dela, deixo de me alimentar ou como muito...
Deus: Óptimo conhecer tudo isso. Vamos trabalhar juntos Eu e você. Mas olha, vamos ter vitórias e derrotas. Eu estou gostando dessa nova atitude sua.
Cristão: Olha, Senhor, preciso terminar agora. Esta oração está demorando muito mais do que costuma ser. Vou continuar: "o pão nosso de cada dia nos dai hoje..."
Deus: Pare aí! Você está me pedindo pão material? Não só de pão vive o homem, mas também da minha palavra. Quando me pedir o pão, lembre-se daqueles que nem conhecem o pão. Pode pedir-me o que quiser, desde que me veja como um Pai amoroso! Estou interessado na próxima parte de sua oração. Continue!
Cristão: "Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido"
Deus: E o seu irmão desprezado?
Cristão: Está vendo? Olhe Senhor, ele já criticou várias vezes e não era verdade o que dizia. Agora não consigo perdoar. Preciso me vingar.
Deus: Mas, e a sua oração? O que quer dizer sua oração? Você me chamou, e eu estou aqui, quero que saia daqui transfigurado, estou gostando de você ser honesto. Mas não é bom carregar o peso da ira dentro de você, não acha?
Cristão: Acho que iria me sentir melhor se me vingasse!
Deus: não vai não! Vai se sentir pior. A vingança não é tão doce quanto parece. Pense na tristeza que me causaria, pense na sua tristeza agora. Eu posso mudar tudo para você. Basta você querer.
Cristão: Pode? Mas como?
Deus: Perdoe seu irmão, Eu perdoarei você e o aliviarei.
Cristão: Mas Senhor, eu não posso perdoá-lo.
Deus: Então não me peça para perdoá-lo também!
Cristão: Mais uma vez está certo! Mais do que quero vingar-me, quero a paz com o Senhor. Está bem, está bem; eu perdoo a todos, mas ajude-me Senhor, mostre-me o caminho certo para mim e meus inimigos.
Deus: Isto que você me pede é maravilhoso, estou muito feliz com você. E você como está se sentindo?
Cristão: Bem, muito bem mesmo! Para falar a verdade, nunca havia me sentido assim! É tão bom falar com Deus.
Deus: Ainda não terminamos a oração. Prossiga...
Cristão: "E não deixeis cair em tentações, mas livrai-nos do mal..."
Deus: Óptimo, vou fazer justamente isso, mas não se ponha em situações onde possa ser tentado.
Cristão: O que quer dizer com isso?
Deus: Deixe de andar em companhias de pessoas que o levam a participar de coisas sujas, intrigas, fofocas. Abandone a maldade, o ódio. Isso tudo vai levá-lo para o caminho errado. Não use tudo isso como saída de emergência!
Cristão: Não estou entendendo!
Deus: Claro que entende! Você já fez isso comigo várias vezes. Entra no erro, depois corre me pedir socorro.
Cristão: Puxa, como estou envergonhado!
Deus: Você me pede ajuda, mas logo em seguida volta a errar de novo, para mais uma vez vir fazer negócios comigo!
Cristão: Estou com muita vergonha, perdoe-me Senhor!
Deus: Claro que perdoo! Sempre perdoo a quem está disposto a perdoar também, mas não esqueça, quando me chamar, lembre-se de nossa conversa, medite cada palavra que fala! Termine a sua oração.
Cristão: Terminar? Ah, sim, "Amem!"
Deus: O que quer dizer ámen?
Cristão: Não sei. É o final da oração...
Deus: Você só pode dizer ámen quando aceita dizer tudo o que eu quero, quando concorda com minha vontade, quando segue os meus mandamentos, porque ÁMEN quer dizer: assim seja, concordo com tudo o que rezei.
Cristão: Senhor, obrigado por ensinar-me esta oração e agora obrigado por fazer-me entendê-la.
Deus: Eu amo cada um dos meus filhos, amo mais ainda aqueles que querem sair do erro, quer ser livre do pecado. 
Abençoo-te e fica com a minha paz!
Cristão: Obrigado, Senhor! Estou muito feliz em saber que é meu amigo.

LIXO MENTAL

Vivemos num tempo que, tendo muito cuidado com o que mete no estômago e pulmões, não dá atenção ao que mete no cérebro. A cada passo ouvimos recomendações sobre saúde, alimentação e ambiente, multiplicam-se os produtos dietéticos, actividades saudáveis, locais sem fumo.

Ao mesmo tempo todos passam horas a absorver o pior lixo mental na televisão, computador, livros e revistas.

Filmes boçais, sites infames, programas idiotas, revistas escabrosas, videojogos obscenos, séries imbecis constituem a dieta intelectual dos cidadãos, tão conscientes da sua saúde física. Na ficção como nas notícias, a violência extrema, pornografia descarada, egoísmo, gula, desonestidade são produtos comuns.

Assim é inevitável a descida ao abismo espiritual a que se assiste. Sabemos bem que se não tivermos cuidado com a nutrição e não atendermos aos equilíbrios ambientais cairemos na obesidade e a poluição será avassaladora. Não admira portanto que, recusando-nos a formular orientações para o espírito, se acabe na decadência ética e estética. Isso em nome da liberdade, que rejeitamos na saúde e ambiente.

A razão da situação é clara. Os nossos avós, sem cuidado com comida, fumo e ecologia, eram moralistas intolerantes. Nós, censurando-os asperamente, corrigimo-los cuidando do corpo e libertando o espírito. Isso foi-nos fácil porque, afinal, os erros sanitários e a ditadura moral em que nos educaram não eram tão graves que nos impedissem de reagir. Os nossos netos saudáveis terão muito mais dificuldade em recuperar da porcaria intelectual em que nós os educámos.

João César das Neves

DESTAK, 2009.05.21

ANATOMIA DA TRAIÇÃO

 A humanidade partilha alguns valores comuns que, em qualquer cultura, época ou tradição, definem a sua natureza. Um deles é o repúdio universal pelos traidores. Desde sempre a infidelidade foi sumamente desprezada, com delatores e apóstatas tratados com asco. Mas se os princípios da raça humana são gerais e permanentes, cada período, povo e doutrina tradu-los à sua maneira, sublinhando uns, esbatendo outros, nem sempre com o indispensável equilíbrio.

 Vivemos num tempo onde a eterna abjecção pela traição anda muito omissa. A cultura contemporânea admira a liberdade e o individualismo, que deram grandes ganhos na ciência, progresso e justiça. É pois inevitável que as virtudes complementares, lealdade ou obediência, acabem silenciadas ou até menosprezadas. "Fidelidade canina" é insulto. Ainda respeitamos os superiores e cumprimos deveres na comunidade, mas admiramos o atrevimento dos rebeldes e o engenho dos espiões, raramente condenando a sua baixeza.

 A traição é tanto mais tolerável quanto mais próxima e efectiva é a afronta. No que toca aos princípios abstractos apresentamo-nos tão fiéis como sempre. Todos juram respeitar a justiça, democracia, liberdade e afins. Mas descendo a coisas mais concretas, como a pátria, a traição é muito menos repudiada que em épocas passadas. O patriota é visto como tolo e o nacionalista como perigoso. Quem fizer acções gravemente opostas ao interesse nacional basta que invoque ideologia ou interesses particulares para isso ser compreensível ou até aceitável.

Se o patriotismo é relativizado, ainda é mais vaga a lealdade à comunidade, empresa, amigos. Enxovalham-se chefes, acusam-se governantes, suspeita-se de tribunais. Uma ligação, mesmo institucional, só é sustentável enquanto o interesse pessoal estiver alinhado com o grupo. Muda-se de clube sem dificuldade e abandonam-se alianças sem compromisso. Se houver problema é meramente legal, porque eticamente a carreira, sucesso e até comodidade de cada um são hoje argumentos para justificar qualquer trânsfuga. Admira-se quem denuncia os seus e desconfia-se de quem os defende. Talvez não haja mais corrupção, mas como todos pensam que há, isso é pior do que haver.

 Passando a campos mais íntimos, na família a traição até deixou de ser defeito. O adultério, sempre frequente, tornou-se banal; o divórcio, antes raro, passou a recomendável. A promiscuidade e o flirt são o ideal. Nisso não se vê traição, mas mera expressão da autonomia pessoal. Quem abandona mulher ou marido e filhos está justificado porque, como o amor tinha acabado, nada mais havia a fazer. A devoção conjugal fica reduzida à condição de gasolina que se gasta após alguns quilómetros. De injúria e quebra de compromisso nem sequer se fala.

O limite encontra-se na religião, onde já nem se consegue entender como possa existir traição. Cada um é soberano nas suas relações com Deus e pode quebrá-las quando lhe apetecer. Os termos são definidos a partir das opções e condições humanas de cada um, não a partir da transcendência. É Deus e a Igreja quem se devem dar por muito satisfeitos com a nossa homenagem eventual. É comum ouvir frases como "sou católico, mas..."; raramente "sou católico, por isso...".

 Existe ainda uma forma mais profunda e radical de traição. Este texto começou afirmando que a humanidade partilha alguns valores comuns que definem a sua natureza em qualquer cultura. Hoje este postulado é discutido ou rejeitado frontalmente, vivendo-se um relativismo, quer filosófico quer pragmático.

 É verdade que a nossa era proclamou os direitos humanos universais e muito se esforça por os defender. Mas a sua aplicação concreta vem sujeita à maior arbitrariedade. Esses direitos aparecem compatíveis, e até justificativos de infâmias como tortura, aborto, eutanásia, guerrilha, divórcio, casamento sem casais, manipulações genéticas, pena de morte, etc. Recusar a existência de valores universais e objectivos é a suprema traição pessoal porque constitui uma deslealdade à humanidade, à sua própria natureza. 

DN, 2009.05.18

João César das Neves

O LÁPIZ

Um menino olhava para a avó a escrever uma carta. A certa altura perguntou:
   - Estás a escrever uma história que aconteceu comigo? E, por acaso, é uma história sobre mim?
   A avó parou de escrever a carta, sorriu e comentou com o neto:
   - Estou a escrever sobre ti, é verdade. No entanto, mais importante do que as palavras, é o lápis que estou a usar. Gostava que tu fosses como ele, quando cresceres.
   O menino olhou para o lápis, intrigado, e não viu nada de especial.
   - Mas é igual a todos os lápis que vi na minha vida!
   - Tudo depende do modo como tu olhas para as coisas. Há nele cinco qualidades que, se as conseguires manter, farão de ti uma pessoa sempre em paz com o mundo.
   A primeira qualidade: tu podes fazer grandes coisas, mas nunca te deves esquecer de que existe uma Mão que guia os teus passos. A esta mão nós chamamos Deus, e Ele deve sempre conduzir-te em direcção à Sua vontade.
   A segunda qualidade: de vez em quando, é preciso parar de escrever e usar o afia-lápis. Isso faz com que o lápis sofra um bocado, mas deixa-o mais afiado. Portanto, aprende a suportar algumas dores, porque elas farão de ti uma pessoa melhor.
   A terceira qualidade: o lápis permite sempre que usemos uma borracha para apagar aquilo que está errado. Percebe que corrigir uma coisa que fizemos não é necessariamente mau, mas importante para nos manter no caminho da justiça.
   A quarta qualidade: o que realmente importa no lápis não é a madeira ou a sua forma exterior, mas a grafite que está dentro. Portanto, presta sempre atenção àquilo que acontece dentro de ti.
   Finalmente, a quinta qualidade do lápis: ele deixa sempre uma marca. Da mesma maneira, compreende que tudo o que tu fizeres na vida vai deixar traços, por isso tenta ser consciente de todas as tuas acções."