29/12/09

O IDIOTA E A MOEDA

Conta-se que numa cidade do interior um grupo de pessoas se divertia com o idiota da aldeia.

Um pobre coitado, de pouca inteligência, vivia de pequenos biscates e esmolas.

Diariamente eles chamavam o idiota ao bar onde se reuniam e ofereciam a ele a escolha entre duas moedas: uma grande de 400 REIS e outra menor, de 2000 REIS.
Ele escolhia sempre a maior e menos valiosa, o que era motivo de risos para todos.

Certo dia, um dos membros do grupo chamou-o e perguntou-lhe se ainda não havia percebido que a moeda maior valia menos. Respondeu o tolo:
- Eu sei, ela vale cinco vezes menos, mas no dia que eu escolher a outra, a brincadeira acaba e não vou mais ganhar a minha moeda.

Podem-se tirar várias conclusões dessa pequena narrativa:
A primeira: Quem parece idiota, nem sempre é.
A segunda: Quem eram os verdadeiros idiotas da história?
Terceira: Se fores ganancioso, acabas por estragar a tua fonte de rendimento.

Mas a conclusão mais interessante é: A percepção de que podemos estar bem, mesmo quando os outros não têm uma boa opinião a nosso respeito.

Portanto, o que importa não é o que pensam de nós, mas sim, o que realmente somos.

"O maior prazer de um homem inteligente é armar-se em idiota diante de um idiota que se arma em inteligente"

24/12/09

NATAL

O Natal não é ornamento: é fermento.

É um impulso divino que irrompe pelo interior da história,

Uma expectativa de semente lançada,

Um alvoroço que nos acorda

para a dicção surpreendente que Deus faz

da nossa humanidade!


O Natal não é ornamento: é fermento.

Dentro de nós recria, amplia, expande!

O Natal não se confunde com o tráfico sonolento dos símbolos

nem se deixa aprisionar ao consumismo sonoro de ocasião

A simplicidade que nos propõe

não é o simplismo ágil das frases-feitas

Os gestos que melhor o desenham

não são os da coreografia previsível das convenções


O Natal não é ornamento: é movimento

Teremos sempre de caminhar para o encontrar!

Entre a noite e o dia

Entre a tarefa e o dom

Entre o nosso conhecimento e o nosso desejo

Entre a palavra e o silêncio que buscamos

Uma estrela nos guiará!


Tolen

SE QUISERES CULTIVAR A PAZ, PRESERVA A CRIAÇÃO

MENSAGEM DO PAPA PARA O DIA MUNDIAL DA PAZ

1 DE JANEIRO DE 2010



1. Por ocasião do início do Ano Novo, desejo expressar os mais ardentes votos de paz a todas as comunidades cristãs, aos responsáveis das nações, aos homens e mulheres de boa vontade do mundo inteiro. Para este XLIII Dia Mundial da Paz, escolhi o tema: Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação. O respeito pela criação reveste-se de grande importância, designadamente porque «a criação é o princípio e o fundamento de todas as obras de Deus»[1] e a sua salvaguarda torna-se hoje essencial para a convivência pacífica da humanidade. Com efeito, se são numerosos os perigos que ameaçam a paz e o autêntico desenvolvimento humano integral, devido à desumanidade do homem para com o seu semelhante – guerras, conflitos internacionais e regionais, actos terroristas e violações dos direitos humanos –, não são menos preocupantes os perigos que derivam do desleixo, se não mesmo do abuso, em relação à terra e aos bens naturais que Deus nos concedeu. Por isso, é indispensável que a humanidade renove e reforce «aquela aliança entre ser humano e ambiente que deve ser espelho do amor criador de Deus, de Quem provimos e para Quem estamos a caminho». [2]

2. Na encíclica Caritas in veritate, pus em realce que o desenvolvimento humano integral está intimamente ligado com os deveres que nascem da relação do homem com o ambiente natural, considerado como uma dádiva de Deus para todos, cuja utilização comporta uma responsabilidade comum para com a humanidade inteira, especialmente os pobres e as gerações futuras. Assinalei também que corre o risco de atenuar-se, nas consciências, a noção da responsabilidade, quando a natureza e sobretudo o ser humano são considerados simplesmente como fruto do acaso ou do determinismo evolutivo.[3] Pelo contrário, conceber a criação como dádiva de Deus à humanidade ajuda-nos a compreender a vocação e o valor do homem; na realidade, cheios de admiração, podemos proclamar com o salmista: «Quando contemplo os céus, obra das vossas mãos, a lua e as estrelas que lá colocastes, que é o homem para que Vos lembreis dele, o filho do homem para dele Vos ocupardes?» (Sl 8, 4-5). Contemplar a beleza da criação é um estímulo para reconhecer o amor do Criador; aquele Amor que «move o sol e as outras estrelas».[4]

3. Há vinte anos, ao dedicar a Mensagem do Dia Mundial da Paz ao tema Paz com Deus criador, paz com toda a criação, o Papa João Paulo II chamava a atenção para a relação que nós, enquanto criaturas de Deus, temos com o universo que nos circunda. «Observa-se nos nossos dias – escrevia ele – uma consciência crescente de que a paz mundial está ameaçada (…) também pela falta do respeito devido à natureza». E acrescentava que esta consciência ecológica «não deve ser reprimida mas antes favorecida, de maneira que se desenvolva e vá amadurecendo até encontrar expressão adequada em programas e iniciativas concretas».[5] Já outros meus predecessores se referiram à relação existente entre o homem e o ambiente; por exemplo, em 1971, por ocasião do octogésimo aniversário da encíclica Rerum novarum de Leão XIII, Paulo VI houve por bem sublinhar que, «por motivo de uma exploração inconsiderada da natureza, [o homem] começa a correr o risco de a destruir e de vir a ser, também ele, vítima dessa degradação». E acrescentou que, deste modo, «não só o ambiente material se torna uma ameaça permanente – poluições e lixo, novas doenças, poder destruidor absoluto – mas é o próprio contexto humano que o homem não consegue dominar, criando assim para o dia de amanhã um ambiente global que se lhe poderá tornar insuportável. Problema social de grande envergadura, este, que diz respeito à inteira família humana».[6]

4. Embora evitando de intervir sobre soluções técnicas específicas, a Igreja, «perita em humanidade», tem a peito chamar vigorosamente a atenção para a relação entre o Criador, o ser humano e a criação. Em 1990, João Paulo II falava de «crise ecológica» e, realçando o carácter prevalecentemente ético de que a mesma se revestia, indicava «a urgente necessidade moral de uma nova solidariedade».[7] Hoje, com o proliferar de manifestações duma crise que seria irresponsável não tomar em séria consideração, tal apelo aparece ainda mais premente. Pode-se porventura ficar indiferente perante as problemáticas que derivam de fenómenos como as alterações climáticas, a desertificação, o deterioramento e a perda de produtividade de vastas áreas agrícolas, a poluição dos rios e dos lençóis de água, a perda da biodiversidade, o aumento de calamidades naturais, o desflorestamento das áreas equatoriais e tropicais? Como descurar o fenómeno crescente dos chamados «prófugos ambientais», ou seja, pessoas que, por causa da degradação do ambiente onde vivem, se vêem obrigadas a abandoná-lo – deixando lá muitas vezes também os seus bens – tendo de enfrentar os perigos e as incógnitas de uma deslocação forçada? Com não reagir perante os conflitos, já em acto ou potenciais, relacionados com o acesso aos recursos naturais? Trata-se de um conjunto de questões que têm um impacto profundo no exercício dos direitos humanos, como, por exemplo, o direito à vida, à alimentação, à saúde, ao desenvolvimento.

5. Entretanto tenha-se na devida conta que não se pode avaliar a crise ecológica prescindindo das questões relacionadas com ela, nomeadamente o próprio conceito de desenvolvimento e a visão do homem e das suas relações com os seus semelhantes e com a criação. Por isso, é decisão sensata realizar uma revisão profunda e clarividente do modelo de desenvolvimento e também reflectir sobre o sentido da economia e dos seus objectivos, para corrigir as suas disfunções e deturpações. Exige-o o estado de saúde ecológica da terra; reclama-o também e sobretudo a crise cultural e moral do homem, cujos sintomas há muito tempo que se manifestam por toda a parte.[8] A humanidade tem necessidade de uma profunda renovação cultural; precisa de redescobrir aqueles valores que constituem o alicerce firme sobre o qual se pode construir um futuro melhor para todos. As situações de crise que está atravessando, de carácter económico, alimentar, ambiental ou social, no fundo são também crises morais e estão todas interligadas. Elas obrigam a projectar de novo a estrada comum dos homens. Impõem, de maneira particular, um modo de viver marcado pela sobriedade e solidariedade, com novas regras e formas de compromisso, apostando com confiança e coragem nas experiências positivas realizadas e rejeitando decididamente as negativas. É o único modo de fazer com que a crise actual se torne uma ocasião para discernimento e nova projectação.

6. Porventura não é verdade que, na origem daquela que em sentido cósmico chamamos «natureza», há «um desígnio de amor e de verdade»? O mundo «não é fruto duma qualquer necessidade, dum destino cego ou do acaso, (…) procede da vontade livre de Deus, que quis fazer as criaturas participantes do seu Ser, da sua sabedoria e da sua bondade».[9] Nas suas páginas iniciais, o livro do Génesis introduz-nos no projecto sapiente do cosmos, fruto do pensamento de Deus, que, no vértice, colocou o homem e a mulher, criados à imagem e semelhança do Criador, para «encher e dominar a terra» como «administradores» em nome do próprio Deus (cf. Gn 1, 28). A harmonia descrita na Sagrada Escritura entre o Criador, a humanidade e a criação foi quebrada pelo pecado de Adão e Eva, do homem e da mulher, que pretenderam ocupar o lugar de Deus, recusando reconhecer-se como suas criaturas. Em consequência, ficou deturpada também a tarefa de «dominar» a terra, de a «cultivar e guardar» e gerou-se um conflito entre eles e o resto da criação (cf. Gn 3, 17-19). O ser humano deixou-se dominar pelo egoísmo, perdendo o sentido do mandato de Deus, e, no relacionamento com a criação, comportou-se como explorador pretendendo exercer um domínio absoluto sobre ela. Mas o verdadeiro significado do mandamento primordial de Deus, bem evidenciado no livro do Génesis, não consistia numa simples concessão de autoridade, mas antes num apelo à responsabilidade. Aliás, a sabedoria dos antigos reconhecia que a natureza está à nossa disposição, mas não como «um monte de lixo espalhado ao acaso»,[10] enquanto a Revelação bíblica nos fez compreender que a natureza é dom do Criador, o Qual lhe traçou os ordenamentos intrínsecos a fim de que o homem pudesse deduzir deles as devidas orientações para a «cultivar e guardar» (cf. Gn 2, 15).[11] Tudo o que existe pertence a Deus, que o confiou aos homens, mas não à sua arbitrária disposição. E quando o homem, em vez de desempenhar a sua função de colaborador de Deus, se coloca no lugar de Deus, acaba por provocar a rebelião da natureza, «mais tiranizada que governada por ele».[12] O homem tem, portanto, o dever de exercer um governo responsável da criação, preservando-a e cultivando-a.[13]

7. Infelizmente temos de constatar que um grande número de pessoas, em vários países e regiões da terra, experimenta dificuldades cada vez maiores, porque muitos se descuidam ou se recusam a exercer sobre o ambiente um governo responsável. O Concílio Ecuménico Vaticano II lembrou que «Deus destinou a terra com tudo o que ela contém para uso de todos os homens e povos».[14] Por isso, a herança da criação pertence à humanidade inteira. Entretanto o ritmo actual de exploração põe seriamente em perigo a disponibilidade de alguns recursos naturais não só para a geração actual, mas sobretudo para as gerações futuras.[15] Ora não é difícil constatar como a degradação ambiental é muitas vezes o resultado da falta de projectos políticos clarividentes ou da persecução de míopes interesses económicos, que se transformam, infelizmente, numa séria ameaça para a criação. Para contrastar tal fenómeno, na certeza de que «cada decisão económica tem consequências de carácter moral»,[16] é necessário também que a actividade económica seja mais respeitadora do ambiente. Quando se lança mão dos recursos naturais, é preciso preocupar-se com a sua preservação prevendo também os seus custos em termos ambientais e sociais, que se devem contabilizar como uma parcela essencial da actividade económica. Compete à comunidade internacional e aos governos nacionais dar os justos sinais para contrastar de modo eficaz, no uso do ambiente, as modalidades que resultem danosas para o mesmo. Para proteger o ambiente e tutelar os recursos e o clima é preciso, por um lado, agir no respeito de normas bem definidas mesmo do ponto de vista jurídico e económico e, por outro, ter em conta a solidariedade devida a quantos habitam nas regiões mais pobres da terra e às gerações futuras.

8. Na realidade, é urgente a obtenção de uma leal solidariedade entre as gerações. Os custos resultantes do uso dos recursos ambientais comuns não podem ficar a cargo das gerações futuras. «Herdeiros das gerações passadas e beneficiários do trabalho dos nossos contemporâneos, temos obrigações para com todos, e não podemos desinteressar-nos dos que virão depois de nós aumentar o círculo da família humana. A solidariedade universal é para nós não só um facto e um benefício, mas também um dever. Trata-se de uma responsabilidade que as gerações presentes têm em relação às futuras, uma responsabilidade que pertence também a cada um dos Estados e à comunidade internacional».[17] O uso dos recursos naturais deverá verificar-se em condições tais que as vantagens imediatas não comportem consequências negativas para os seres vivos, humanos e não humanos, presentes e vindouros; que a tutela da propriedade privada não dificulte o destino universal dos bens;[18] que a intervenção do homem não comprometa a fecundidade da terra para benefício do dia de hoje e do amanhã. Para além de uma leal solidariedade entre as gerações, há que reafirmar a urgente necessidade moral de uma renovada solidariedade entre os indivíduos da mesma geração, especialmente nas relações entre os países em vias de desenvolvimento e os países altamente industrializados: «A comunidade internacional tem o imperioso dever de encontrar as vias institucionais para regular a exploração dos recursos não renováveis, com a participação também dos países pobres, de modo a planificar em conjunto o futuro».[19] A crise ecológica manifesta a urgência de uma solidariedade que se projecte no espaço e no tempo. Com efeito, é importante reconhecer, entre as causas da crise ecológica actual, a responsabilidade histórica dos países industrializados. Contudo os países menos desenvolvidos e, de modo particular, os países emergentes não estão exonerados da sua própria responsabilidade para com a criação, porque o dever de adoptar gradualmente medidas e políticas ambientais eficazes pertence a todos. Isto poder-se-ia realizar mais facilmente se houvesse cálculos menos interesseiros na assistência, na transferência dos conhecimentos e tecnologias menos poluidoras.

9. Um dos nós principais a enfrentar pela comunidade internacional é, sem dúvida, o dos recursos energéticos, delineando estratégias compartilhadas e sustentáveis para satisfazer as necessidades de energia da geração actual e das gerações futuras. Para isso, é preciso que as sociedades tecnologicamente avançadas estejam dispostas a favorecer comportamentos caracterizados pela sobriedade, diminuindo as próprias necessidades de energia e melhorando as condições da sua utilização. Ao mesmo tempo é preciso promover a pesquisa e a aplicação de energias de menor impacto ambiental e a «redistribuição mundial dos recursos energéticos, de modo que os próprios países desprovidos possam ter acesso aos mesmos».[20] Deste modo, a crise ecológica oferece uma oportunidade histórica para elaborar uma resposta colectiva tendente a converter o modelo de desenvolvimento global segundo uma direcção mais respeitadora da criação e de um desenvolvimento humano integral, inspirado nos valores próprios da caridade na verdade. Faço votos, portanto, de que se adopte um modelo de desenvolvimento fundado na centralidade do ser humano, na promoção e partilha do bem comum, na responsabilidade, na consciência da necessidade de mudar os estilos de vida e na prudência, virtude que indica as acções que se devem realizar hoje na previsão do que poderá suceder amanhã.[21]

10. A fim de guiar a humanidade para uma gestão globalmente sustentável do ambiente e dos recursos da terra, o homem é chamado a concentrar a sua inteligência no campo da pesquisa científica e tecnológica e na aplicação das descobertas que daí derivam. A «nova solidariedade», que João Paulo II propôs na Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990,[22] e a «solidariedade global», a que eu mesmo fiz apelo na Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2009,[23] apresentam-se como atitudes essenciais para orientar o compromisso de tutela da criação através de um sistema de gestão dos recursos da terra melhor coordenado a nível internacional, sobretudo no momento em que se vê aparecer, de forma cada vez mais evidente, a forte relação que existe entre a luta contra a degradação ambiental e a promoção do desenvolvimento humano integral. Trata-se de uma dinâmica imprescindível, já que «o desenvolvimento integral do homem não pode realizar-se sem o desenvolvimento solidário da humanidade».[24] Muitas são hoje as oportunidades científicas e os potenciais percursos inovadores, mediante os quais é possível fornecer soluções satisfatórias e respeitadoras da relação entre o homem e o ambiente. Por exemplo, é preciso encorajar as pesquisas que visam identificar as modalidades mais eficazes para explorar a grande potencialidade da energia solar. A mesma atenção se deve prestar à questão, hoje mundial, da água e ao sistema hidrogeológico global, cujo ciclo se reveste de primária importância para a vida na terra, mas está fortemente ameaçado na sua estabilidade pelas alterações climáticas. De igual modo deve-se procurar apropriadas estratégias de desenvolvimento rural centradas nos pequenos cultivadores e nas suas famílias, sendo necessário também elaborar políticas idóneas para a gestão das florestas, o tratamento do lixo, a valorização das sinergias existentes no contraste às alterações climáticas e na luta contra a pobreza. São precisas políticas nacionais ambiciosas, completadas pelo necessário empenho internacional que há-de trazer importantes benefícios sobretudo a médio e a longo prazo. Enfim, é necessário sair da lógica de mero consumo para promover formas de produção agrícola e industrial que respeitem a ordem da criação e satisfaçam as necessidades primárias de todos. A questão ecológica não deve ser enfrentada apenas por causa das pavorosas perspectivas que a degradação ambiental esboça no horizonte; o motivo principal há-de ser a busca duma autêntica solidariedade de dimensão mundial, inspirada pelos valores da caridade, da justiça e do bem comum. Por outro lado, como já tive ocasião de recordar, a técnica «nunca é simplesmente técnica; mas manifesta o homem e as suas aspirações ao desenvolvimento, exprime a tensão do ânimo humano para uma gradual superação de certos condicionamentos materiais. Assim, a técnica insere-se no mandato de “cultivar e guardar a terra” (cf. Gn 2, 15) que Deus confiou ao homem, e há-de ser orientada para reforçar aquela aliança entre ser humano e ambiente em que se deve reflectir o amor criador de Deus».[25]

11. É cada vez mais claro que o tema da degradação ambiental põe em questão os comportamentos de cada um de nós, os estilos de vida e os modelos de consumo e de produção hoje dominantes, muitas vezes insustentáveis do ponto de vista social, ambiental e até económico. Torna-se indispensável uma real mudança de mentalidade que induza a todos a adoptarem novos estilos de vida, «nos quais a busca do verdadeiro, do belo e do bom e a comunhão com os outros homens, em ordem ao crescimento comum, sejam os elementos que determinam as opções do consumo, da poupança e do investimento».[26] Deve-se educar cada vez mais para se construir a paz a partir de opções clarividentes a nível pessoal, familiar, comunitário e político. Todos somos responsáveis pela protecção e cuidado da criação. Tal responsabilidade não conhece fronteiras. Segundo o princípio de subsidiariedade, é importante que cada um, no nível que lhe corresponde, se comprometa a trabalhar para que deixem de prevalecer os interesses particulares. Um papel de sensibilização e formação compete de modo particular aos vários sujeitos da sociedade civil e às organizações não-governamentais, empenhados com determinação e generosidade na difusão de uma responsabilidade ecológica, que deveria aparecer cada vez mais ancorada ao respeito pela «ecologia humana». Além disso, é preciso lembrar a responsabilidade dos meios de comunicação social neste âmbito, propondo modelos positivos que sirvam de inspiração. É que ocu-par-se do ambiente requer uma visão larga e global do mundo; um esforço comum e responsável a fim de passar de uma lógica centrada sobre o interesse egoísta da nação para uma visão que sempre abrace as necessidades de todos os povos. Não podemos permanecer indiferentes àquilo que sucede ao nosso redor, porque a deterioração de uma parte qualquer do mundo recairia sobre todos. As relações entre pessoas, grupos sociais e Estados, bem como as relações entre homem e ambiente são chamadas a assumir o estilo do respeito e da «caridade na verdade». Neste contexto alargado, é altamente desejável que encontrem eficaz correspondência os esforços da comunidade internacional que visam obter um progressivo desarmamento e um mundo sem armas nucleares, cuja mera presença ameaça a vida da terra e o processo de desenvolvimento integral da humanidade actual e futura.

12. A Igreja tem a sua parte de responsabilidade pela criação e sente que a deve exercer também em âmbito público, para defender a terra, a água e o ar, dádivas feitas por Deus Criador a todos, e antes de tudo para proteger o homem contra o perigo da destruição de si mesmo. Com efeito, a degradação da natureza está intimamente ligada à cultura que molda a convivência humana, pelo que, «quando a “ecologia humana”é respeitada dentro da sociedade, beneficia também a ecologia ambiental».[27] Não se pode pedir aos jovens que respeitem o ambiente, se não são ajudados, em família e na sociedade, a respeitar-se a si mesmos: o livro da natureza é único, tanto sobre a vertente do ambiente como sobre a da ética pessoal, familiar e social.[28] Os deveres para com o ambiente derivam dos deveres para com a pessoa considerada em si mesma e no seu relacionamento com os outros. Por isso, de bom grado encorajo a educação para uma responsabilidade ecológica, que, como indiquei na encíclica Caritas in veritate, salvaguarde uma autêntica «ecologia humana» e consequentemente afirme, com renovada convicção, a inviolabilidade da vida humana em todas as suas fases e condições, a dignidade da pessoa e a missão insubstituível da família, onde se educa para o amor ao próximo e o respeito da natureza.[29] É preciso preservar o património humano da sociedade. Este património de valores tem a sua origem e está inscrito na lei moral natural, que é fundamento do respeito da pessoa humana e da criação.

13. Por fim não se deve esquecer o facto, altamente significativo, de que muitos encontram tranquilidade e paz, sentem-se renovados e revigorados quando entram em contacto directo com a beleza e a harmonia da natureza. Existe aqui uma espécie de reciprocidade: quando cuidamos da criação, constatamos que Deus, através da criação, cuida de nós. Por outro lado, uma visão correcta da relação do homem com o ambiente impede de absolutizar a natureza ou de a considerar mais importante do que a pessoa. Se o magistério da Igreja exprime perplexidades acerca de uma concepção do ambiente inspirada no ecocentrismo e no biocentrismo, fá-lo porque tal concepção elimina a diferença ontológica e axiológica entre a pessoa humana e os outros seres vivos. Deste modo, chega-se realmente a eliminar a identidade e a função superior do homem, favorecendo uma visão igualitarista da «dignidade» de todos os seres vivos. Assim se dá entrada a um novo panteísmo com acentos neopagãos que fazem derivar apenas da natureza, entendida em sentido puramente naturalista, a salvação para o homem. Ao contrário, a Igreja convida a colocar a questão de modo equilibrado, no respeito da «gramática» que o Criador inscreveu na sua obra, confiando ao homem o papel de guardião e administrador responsável da criação, papel de que certamente não deve abusar mas também não pode abdicar. Com efeito, a posição contrária, que considera a técnica e o poder humano como absolutos, acaba por ser um grave atentado não só à natureza, mas também à própria dignidade humana.[30]

14. Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação. A busca da paz por parte de todos os homens de boa vontade será, sem dúvida alguma, facilitada pelo reconhecimento comum da relação indivisível que existe entre Deus, os seres humanos e a criação inteira. Os cristãos, iluminados pela Revelação divina e seguindo a Tradição da Igreja, prestam a sua própria contribuição. Consideram o cosmos e as suas maravilhas à luz da obra criadora do Pai e redentora de Cristo, que, pela sua morte e ressurreição, reconciliou com Deus «todas as criaturas, na terra e nos céus» (Cl 1, 20). Cristo crucificado e ressuscitado concedeu à humanidade o dom do seu Espírito santificador, que guia o caminho da história à espera daquele dia em que, com o regresso glorioso do Senhor, serão inaugurados «novos céus e uma nova terra» (2 Pd 3, 13), onde habitarão a justiça e a paz para sempre. Assim, proteger o ambiente natural para construir um mundo de paz é dever de toda a pessoa. Trata-se de um desafio urgente que se há-de enfrentar com renovado e concorde empenho; é uma oportunidade providencial para entregar às novas gerações a perspectiva de um futuro melhor para todos. Disto mesmo estejam cientes os responsáveis das nações e quantos, nos diversos níveis, têm a peito a sorte da humanidade: a salvaguarda da criação e a realização da paz são realidades intimamente ligadas entre si. Por isso, convido todos os crentes a elevarem a Deus, Criador omnipotente e Pai misericordioso, a sua oração fervorosa, para que no coração de cada homem e de cada mulher ressoe, seja acolhido e vivido o premente apelo: Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação.


Vaticano, 8 de Dezembro de 2009.

BENEDICTUS PP. XVI
____________________________________

[1] Catecismo da Igreja Católica, 198.

[2] Bento XVI, Mensagem para o Dia Mundial da Paz (1 de Janeiro de 2008), 7.

[3] Cf. n. 48.

[4] Dante Alighieri, Divina Comédia: O Paraíso, XXXIII, 145.

[5] Mensagem para o Dia Mundial da Paz (1 de Janeiro de 1990), 1.

[6] Carta ap. Octogesima adveniens, 21.

[7] Mensagem para o Dia Mundial da Paz (1 de Janeiro de 1990), 10.

[8] Cf. Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate, 32.

[9] Catecismo da Igreja Católica, 295.

[10] Heráclito de Éfeso(± 535-475 a.C.), Fragmento 22B124, in H. Diels-W. Kranz, Die Fragmente der Vorsokratiker (Weidmann, Berlim 19526).

[11] Cf. Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate, 48.

[12] João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus, 37.

[13] Cf. Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate, 50.

[14] Const. past. Gaudium et spes, 69.

[15] Cf. João Paulo II, Carta enc.Sollicitudo rei socialis, 34.

[16] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate, 37.

[17] Pont. Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 467;cf. Paulo VI, Carta enc. Populorum progressio, 17.

[18] Cf. João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus, 30-31.43.

[19] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate, 49.

[20] Ibid., 49.

[21] Cf. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, II-II, q. 49, 5.

[22] Cf. n. 9.

[23] Cf. n. 8.

[24] Paulo VI, Carta enc. Populorum progressio, 43.

[25] Carta enc. Caritas in veritate, 69.

[26] João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus, 36.

[27] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate, 51.

[28] Cf. ibid., 15.51.

[29] Cf. ibid., 28.51.61; João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus, 38.39.

[30] Cf. Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate, 70.

22/12/09

POSTAL DE NATAL

Neste Natal, um video para reflectir um pouco sobre o significado destes dias...



FELIZ NATAL

MENSAGEM DE NATAL DO NOSSO BISPO

“O Verbo fez-se Carne e habitou entre nós”.
Deus fez-se homem em Jesus Cristo. Nasceu da Virgem Maria e renasce na Igreja.
E tudo isto para nos salvar, nos revelar o Seu Amor, nos ensinar a amar e nos convidar a sermos sal e luz na construção de um mundo melhor. Conhecer e anunciar a Sua pessoa e a Sua Palavra, com o testemunho de verdadeiro discípulo, é a maneira mais sublime e eficaz de amar e servir a Humanidade, cada Família e cada Pessoa: só Jesus transforma em novo e novidade aquilo que o homem em si mesmo deixa envelhecer e destrói.
Reconhecer, amar e respeitar-se a si e aos outros como Jesus fez e ensinou continua a ser provocação e desafio que brota do silêncio divino e humano do Presépio numa estreita relação entre a simplicidade e a glória. Entre a riqueza divina partilhada com amor e a pobreza humana minimizada por tão extraordinário gesto de entrega e gratuidade.
Celebrar o Natal de Jesus não é reduzi-lo a uma mera festa profana, dispendiosa e humilhante para os pobres, sofredores e excluídos. Celebrar o Natal é fazer ecoar por toda a terra a mensagem de Esperança que cada pessoa precisa de ouvir. É pedir aos líderes da sociedade que escancarem as portas do coração a Cristo Salvador, o Filho de Deus, se reencontrem n’Ele para servirem como Ele e Lhe peçam o dom da Sabedoria para bem orientar o destino dos povos que neles confiaram e estes possam viver com alegria e dignidade. É fazer com que o Reino de Amor e de Paz que Cristo tornou próximo se torne herança de todos. É fazer que cada pessoa se sinta reconhecida, amada e respeitada na sua dignidade e viva em recíproco sentimento e atitude.
Neste ano dedicado ao Sacerdócio Ministerial, e estando a nossa Diocese tão carente de Presbíteros, que os nossos jovens, olhando o presépio em jeito de São João Maria Vianney – o Cura d’Ars - sintam o apelo de Jesus Menino a dizer-lhes que a “messe é grande mas os operários são poucos…”. E numa atitude de confiança, coragem e ousadia lhe abram o coração com generosidade e amor e decidam colocar a vida ao serviço do Seu povo.
Feliz Natal para todos!

Diocese de Portalegre-Castelo Branco, 15 de Dezembro de 2009
+Antonino Dias, Bispo Diocesano

21/11/09

A ESSÊNCIA DO CRISTIANISMO

Com a chegada do mês de Novembro, começa a azáfama do natal, campanhas publicitárias que repetem, à saciedade, que o Natal se faz das melhores prendas e que todos seremos muito felizes se gastarmos o que temos e não temos para comprar desde o bacalhau ao automóvel, dos enfeites a casacos, tudo está ao alcance de uma mensalidade que só se começa a pagar em 2010 (como se faltasse muito...).
As luzes nas ruas e a mudança dos horários do comércio completam o circo que, em vez de leões albinos e anões, faz desfilar ante os nossos olhos leopoldinas e popotas, ou o clássico pai-natal, qual assaltante a trepar por uma janela e gnomos, muitos gnomos.
É o espírito do natal presente. Cheio de festas e consoadas, trocas de prendas e jantaradas, o natal presente vai tocando a todos, e tanto, que quase ninguém dá por falta do que para alguns ainda é importante o NATAL!
Brincadeiras e paródias em torno do presépio, dos magos do oriente, cânticos de natal alterados para atingirem fins comerciais são o que mais se aproxima das origens, e ainda assim ficam sempre muito longe.
Dá vontade, a nós que sabemos o que celebrar no NATAL, de nos indignarmos com quem nos
rouba e deturpa o que de mais importante temos. Dá vontade de interpor uma providência cautelar que impeça quem não respeita o NATAL e se serve dele para vender, seja proibido de o fazer.
Mas não podemos. Não é que humanamente não tenhamos esse direito, nem é porque não valha a pena, por ninguém nos ouvir, não podemos porque nós somos assim. Imitando a Cristo que se deu todo e sem reservas, damos tudo o que temos mesmo quando corremos o risco de alguém estragar, deturpar ou entender mal o que temos para dar.
Damos mesmo a quem não quer e já deu provas de que não quer, damos a quem pede e a quem recusa, damos porque não é nosso nem de ninguém, mas d'Ele para todos.
Por isso, apesar do que custa ver o NATAL tão mal tratado e entendido, substituído por sucedâneos de quinta categoria, sejam eles barbudos, roliços ou esvoaçantes, ficamos felizes porque é essa a essência do Cristianismo, aniquilarmo-nos, entregues ao mundo.

O DISTRITO DE PORTALEGRE, 19-11-2009 T.F.

03/09/09

XXXII SEMANA BÍBLICA NACIONAL

Deixar-se dizer pela Palavra para vivê-la e anunciá-la aos outros

A XXXII Semana Bíblica Nacional decorreu em Fátima, de 23 a 28 de Agosto, com a participação de mais de 300 pessoas e a colaboração de 13 conferencistas, três dos quais, bispos. Organizada pelo Movimento de Dinamização Bíblica, dos franciscanos capuchinhos, contou com a colaboração dos seus vários secretariados regionais e uma equipa de Liturgia.

A intenção era aproveitar a dinâmica atingida no Ano Paulino e secundar os apelos do último Sínodo sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja. De facto, muita gente descobriu as Cartas de Paulo e os Actos dos Apóstolos, ficando desperta para a Bíblia; mas a maioria não acompanhou o Sínodo, que pretendeu «sobretudo renovar a fé da Igreja na Palavra de Deus» (55ª Proposição). Por isso, os temas desta Semana foram organizados a partir das quatro palavras-chave da Mensagem do Sínodo ao Povo de Deus: a VOZ da Palavra (a Revelação), o ROSTO da Palavra (Jesus Cristo), a CASA da Palavra (a Igreja) e os CAMINHOS da Palavra (a Missão).

A VOZ. D. António Couto, bispo auxiliar de Braga, disse “Como falou Deus e fala hoje ao seu povo”: com «uma voz que atravessa o coração», que fala «em», por dentro, e não tanto «por», sendo necessário manter um contacto íntimo com as Escrituras mediante a leitura sagrada e o estudo apurado; a «voz de um fino silêncio», como a que o profeta Elias sentiu na brisa, que é preciso saber «escutar», pois só podemos exprimir bem o que em nós deixarmos imprimir. Escutar é deixar-se dizer pela Palavra. D. António Taipa, bispo auxiliar do Porto, falou da sua vivência do “Sínodo visto por dentro”, como «uma profunda experiência de Igreja e uma forte experiência de fé». Sublinhando que «a Palavra de Deus não está prisioneira da Escritura», falou da «contemplação da Palavra de Deus na criação, na história e nas pessoas»; do apelo ao serviço da Palavra na homilia, na catequese, no primeiro anúncio; e da celebração da Palavra na Leitura orante (Lectio divina e Revisão de vida) e na Eucaristia.

O ROSTO. O capuchinho frei Fernando Gustavo salientou que, como em qualquer relação, também na Bíblia há dois que se procuram; mas, «a nossa simples possibilidade de encontro com o rosto da Palavra (Cristo), terá sempre de passar pela nossa disponibilidade para o encontro com todos os outros». Dentro destes critérios, leu alguns textos do Antigo e do Novo Testamento, como a Aliança, as tentações de Jesus, a multiplicação ou “divisão” dos pães e os discípulos de Emaús. D. Carlos Moreira Azevedo, bispo auxiliar de Lisboa e especialista em História da Igreja, apresentou os principais “Teólogos que marcaram a história da Bíblia”, permitindo ver como a Palavra de Deus foi sendo abordada num sentido mais espiritual, pastoral, literal ou sapiencial; como foi secundarizada na longa época escolástica, e o seu processo de renovação com o movimento bíblico, o grande impulso ao estudo da Bíblia com a teologia protestante, e o pós-Concílio Vaticano II que definiu a Bíblia como «alma da teologia e da vida pastoral».

A CASA. O P. Carlos de Aquino, liturgista da diocese do Algarve, falou da “Liturgia, o Iugar privilegiado da Palavra de Deus”. Para entender o valor e a pertinência do tema, bastaria citar a Constituição sobre a Sagrada Liturgia, do Vaticano II: «Na celebração da Liturgia a importância da Sagrada Escritura é muito grande. De facto, dela se tomam as Leituras, que se explicitam na homilia, os salmos que se cantam; da sua inspiração e sob o seu impulso nascem as preces, orações e hinos litúrgicos; e dela, acções e sinais recebem o seu significado.» A comprová-lo, o biblista franciscano frei João Lourenço falou de “S. Francisco de Assis e a Palavra de Deus hoje”. De facto, a principal fonte de Francisco em relação à Bíblia foi a escuta da Palavra na Eucaristia, depois reflectida em privado; e de tal modo ele foi transformado pelo Deus da Palavra, que escreveu uma Regra para os «Irmãos Menores», aprovada pelo Papa, propondo-se «viver segundo o santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo». E assim «restaurou» a Casa da Igreja.

OS CAMINHOS. O frei Herculano Alves falou da “Palavra de Deus, animação de toda a Pastoral”. A este capuchinho doutorado em Sagrada Escritura, com largos anos de ensino universitário e um intenso trabalho pastoral de formação e animação em paróquias, grupos e congregações religiosas, pediu-se que apontasse caminhos de passagem da palavra da Bíblia para a Missão da Igreja. E fê-lo de modo frontal, não poupando a assembleia a um certo desconforto. Bastou apresentar a boa doutrina dos documentos da Igreja sobre a Bíblia, para se concluir da incongruência entre a teoria e a prática e um excessivo acento posto no culto em detrimento da evangelização, com nocivos efeitos à vista. Daí nasceram várias sugestões, a fim de se passar de uma pastoral bíblica à animação bíblica de toda a pastoral, como pediu o Sínodo. A exposição foi complementada, de tarde, por um painel sobre “Como levar a Bíblia ao Povo de Deus, hoje?”, moderado por frei Acácio Sanches, com três propostas concretas: a Escola Bíblica (Palmira Reis, Aveiro), os Grupos Bíblicos (Luísa Maria Abreu, Coimbra) e a Lectio divina (frei Lopes Morgado, Fátima), seguindo-se uma celebração da Lectio divina com toda a assembleia.

CONCLUSÃO. A Semana concluiu com mais uma reflexão sobre “Maria, modelo de acolhimento da Palavra para o crente”, por Isabel Varandas. Seguindo-se a Eucaristia de Encerramento presidida por D. Serafim Ferreira e Silva, bispo emérito de Leiria-Fátima, que, em nome dos seus colegas no episcopado, agradeceu a todos o interesse manifestado pela Palavra de Deus.

As carências e disponibilidades das pessoas, e os apelos deste Sínodo, sugerem esta proposta pastoral urgente no nosso país: uma Bíblia em cada Família, que faça dela “pão” de cada dia e uma “refeição” semanal; um grupo de Lectio divina em cada paróquia, que junte os grupos bíblicos existentes e outros agentes de evangelização, com celebração semanal das Leituras do Domingo; uma Escola Bíblica ou Escola da Palavra” mensal em cada vigararia, para formação de catequistas, ministros da Palavra e membros dos grupos bíblicos; e um Secretariado Bíblico diocesano ou regional que coordene e apoie toda esta acção pastoral.

Lopes Morgado

CRESCER COMO PESSOAS PARA SERVIR COMO PASTORES

Conferência no VI Simpósio do Clero de Portugal

I – Introdução

1. “Crescer como pessoas, para servir como pastores” é uma formulação perigosa e ambígua. Pode sugerir dois planos separados, ainda que convergentes: a formação do homem para poder ser pastor. É outra a perspectiva em que me vou colocar: servir como pastores ajuda a crescer como pessoas. Santo Afonso Maria de Ligório, figura modelo de sacerdote, escreveu: “É a caridade que une e conserva todas as virtudes que tornam o homem perfeito” (1). De facto são duas questões diferentes que nos podemos colocar: que virtudes humanas deve ter o homem sacerdote, para poder exercer bem o seu ministério? Ou: em que medida o exercício generoso do ministério nos ajuda a crescer como homens? Eu adopto a segunda, sem deixar de ter a primeira como pano de fundo, sobretudo numa etapa de que não falarei, a dos critérios de discernimento vocacional e a preparação prévia à ordenação sacerdotal.

Procurarei não ser apenas teórico, expondo doutrina; fixo o meu olhar nos padres concretos que nós somos, com que a Igreja conta hoje para poder exercer este ministério de graça, num momento determinado da história, da Igreja e da humanidade. Estou consciente de que o essencial deste ministério não muda, é perene, porque é sacramento da missão do próprio Cristo; mas não posso esquecer que as transformações verificadas na Igreja e no mundo, nestes últimos cinquenta anos, enquadram inevitavelmente o exercício desse ministério, como condicionaram, à partida, a escolha desta vocação.

II – Um quadro cultural

2. O Concílio Vaticano II, no início dos anos 60, marca uma profunda viragem cultural na compreensão da Igreja e do mundo e das suas relações específicas. Esta mutação cultural, que enquadrou a própria teologia, continuou a evoluir a um ritmo acelerado. Falar de “espírito conciliar” nos anos sessenta e no início do século XXI não é exactamente a mesma coisa e não perceber esta diferença pode levar a confusões sérias. É no contexto desta “mutação cultural” acelerada que temos de situar a problemática concreta dos sacerdotes e das vocações sacerdotais, coerentes com a doutrina da Exortação Apostólica “Pastores Dabo Vobis”: Deus chama sempre os seus sacerdotes a partir de determinados contextos humanos e eclesiais, com os quais estão inevitavelmente conotados e aos quais são mandados para o serviço do Evangelho de Cristo” (2).

Dividirei os sacerdotes actuais em três grupos, com o risco de simplismo de análise que estas divisões cronológicas podem significar: os sacerdotes que se ordenaram desde a convocação do Concílio até ao final da década de sessenta; os que se ordenaram nos anos setenta e oitenta; e os que se ordenaram depois dos anos noventa.

3. Os sacerdotes do primeiro grupo, a que eu pertenço, e que já é o menos numeroso, viveram a sua infância e juventude e decidiram da sua vocação num quadro cultural profundamente marcado pela pertença à Igreja. A família, e os grandes movimentos católicos eram a base de uma compreensão do homem e da realidade, porque imprimiam desde a infância uma base moral radicada na fé cristã. O Concílio, na sua inspiração mobilizadora, parte de uma palavra de ordem do Papa João XXIII: o mundo mudou, está-se a criar uma barreira entre a Igreja e o mundo, a Igreja tem de se renovar para poder ser enviada de novo a este mundo que mudou, com a sua mensagem de esperança e salvação. Nesta profunda mudança, a Igreja não deve limitar-se a condenar os erros deste mundo, deve amá-lo, compreendê-lo, sabendo ler nele os sinais do Reino; deve, não fugindo do mundo, assumir, sempre de novo, a sua missão.

Os jovens sacerdotes, formados antes do Concílio numa Igreja que formatara a sua identidade, ao ritmo do Concílio,partem da Igreja à descoberta do mundo e com que entusiasmo o fizeram, muitos talvez mais fascinados por essa descoberta do mundo do que pela profunda renovação da Igreja.

O mundo dos anos 60-70 era complexo e vertiginoso. Em plano europeu digeriam-se ainda as consequências da 2ª Guerra Mundial. A Europa ficou dividida: a Ocidente, os países tentam vencer essa etapa da história, consolidando a democracia política, desenvolvendo uma economia liberal de mercado, salvaguardando a liberdade, política, económica, de expressão e de consciência. A Leste domina o marxismo-leninismo, sob a batuta de Moscovo, impondo o domínio absoluto do Estado sobre as liberdades individuais, de expressão política, cultural e religiosa. O comunismo torna-se, para o Ocidente, a ameaça e o “papão”.

No resto do mundo assiste-se à última etapa da descolonização, com os novos países emergentes, a serem disputados pelos dois blocos europeus, o capitalismo e democrático e o bloco comunista, o que vai estendendo a todo o hemisfério a fronteira europeia dos blocos. As guerras da Indochina, e do Vietname em particular, são expressões dramáticas desses ventos da história. Com os movimentos “pan-árabes” liderados pelo Egipto, assiste-se ao início do despertar do Islão reivindicando um lugar de influência histórica a nível global.

Em Portugal, o último país a manter um império colonial, rebentam as guerras dos movimentos de libertação, anunciando o fim do império português. Nesses anos, a guerra colonial e a contestação ao regime político do Estado Novo entrecruzam-se baralhando as ideias e suscitando novas correntes de opinião.

No plano cultural, relativiza-se a dimensão religiosa. O ateísmo ganha uma expressão colectiva nunca antes conhecida na história, imposto teoricamente e pela autoridade política no bloco comunista, implantando-se de forma larvar como atitude prática, fruto do materialismo e da afirmação do homem, no bloco ocidental. Aí, ao mesmo tempo que se afirmava a liberdade religiosa, a fé em Deus era relegada para o âmbito da consciência privada. A construção da história é concebida sem Deus e deixada apenas às capacidades da liberdade e das potencialidades humanas. Neste contexto, sobretudo a Ocidente, vêem ao de cima os velhos princípios do iluminismo e do racionalismo: a razão humana é a única luz que orienta o homem, que toma totalmente nas mãos o seu destino. Para afirmar e salvaguardar a liberdade, põem-se em questão os ordenamentos éticos, trave mestra do equilíbrio das sociedades. Uma das suas expressões foi a chamada revolução sexual, que leva ao desgaste da dignidade do amor, põe em questão a solidez da família, altera o ritmo do amadurecimento dos jovens. Com este pôr em questão de uma sabedoria milenar, sublinha-se o papel das ideologias, o que começa a mitigar o medo do marxismo, assumido como motor ideológico de todas as revoluções e de todas as transformações políticas e sociais. Os acontecimentos de Maio de 68 em Paris são o sinal desta nova atitude perante a história que estava a germinar.

4. Este é o mundo ao qual a Igreja deve ser enviada, percebendo-o para se renovar para a missão.

Disse atrás que os padres dessa geração partiram da Igreja à descoberta do mundo. O Concílio Vaticano II gerou um duplo movimento: a solidez teológico-espiritual em que deveria assentar a renovação da Igreja, para poder ser missionária neste mundo, consignada nos documentos conciliares e continuamente afirmada no Magistério, sobretudo dos diversos Papas que se sucederam depois do Concílio; e a “euforia conciliar” de mudança, nem sempre baseada na solidez daqueles documentos, muito sensível às mudanças em chave cultural profana. Os padres desta geração viveram na carne esta ambivalência. Alguns, reagindo à “euforia conciliar” rejeitaram o próprio Concílio; outros procuraram generosamente inspirar-se no verdadeiro espírito do Concílio, não para manterem a Igreja como era, mas para encontrar solidamente os novos caminhos, sobretudo em termos de missão; outros deixaram-se arrastar pelos novos ventos da história. Movimentos como o da Teologia da Libertação, a Igreja-base que valoriza mais a compreensão do povo que o Magistério, entusiasmaram muitos sacerdotes desse tempo. Em todas as frentes revolucionárias, da América Latina a Paris, ou em Lisboa nos dinamismos pré-revolucionários, encontramos sacerdotes. Procuraram identificar-se com o mundo – o abandono do traje eclesiástico foi disso um sinal, puseram em questão o celibato, deixaram desgastar a base sobrenatural do seu ministério. Estas atitudes, porque não tinham o apoio do Magistério, a começar pelo próprio Concílio, e nem sequer o apoio dos presbitérios e da comunidade eclesial, afirmaram-se, quase sempre, como atitudes individuais, originando uma autonomia no julgar dos caminhos pastorais da Igreja, ao ritmo do que a cada um parecia melhor, e não ao ritmo da unidade exigida pela comunhão eclesial, que encontra a sua primeira expressão na unidade dos caminhos da missão.

5. Nas últimas décadas do século XX verificou-se uma profunda transformação da sociedade, cujo vector principal foi a autonomia de critérios e referências em relação à matriz cristã da cultura, concretizada no horizontalismo ético, no sentido da vida do homem e da história, na absolutização do poder da razão e da liberdade. A Igreja, e a sua visão da vida, deixou de ser o enquadramento espontâneo da personalidade. Para os jovens dessas décadas, esse quadro de referência é a sociedade e a nova cultura emergente, veiculada na escola, infiltrada na família, agressivamente proposta pelos meios de comunicação, expressa na liberdade de costumes. Ao contrário do que se passava nos anos do pré-concílio, os jovens que optam por uma vocação sacerdotal, vêm do mundo à procura da Igreja; a surpresa da sua descoberta é a Igreja.

Mas aquela Igreja post-conciliar, transformada ao ritmo da euforia post-conciliar, que assimilou demasiadamente os critérios do mundo não os atrai e muitos mostram-se igualmente incapazes de mergulhar na profundidade dos documentos conciliares para descobrirem o verdadeiro rosto da Igreja renovada. Não admira que busquem a autenticidade da Igreja em sinais e expressões da Igreja pré-conciliar, que eles não conheceram, e que não podem, por isso, viver na verdade que tiveram no tempo justo. Não tenhamos ilusões: nos nossos presbitérios estes dois grupos existem e coexistem, mas não convergem numa visão da Igreja e na compreensão dos caminhos da missão. Os franceses classificaram estes dois grupos: a uns chamaram padres “conciliares” e aos outros “identitaires”, cuja tradução em português não nos diz muito. Ouçamos um bispo francês que tem estudado este fenómeno: “Esta reviravolta nas anterioridades explica bem o diálogo de surdos entre padres que se pretendem “conciliares” e os jovens sacerdotes que se afirmam “identitaires”. Como se os dois registos de afirmação se opusessem (…). Mais do que opor a vontade de se abrir ao mundo e o regresso “identitário”, é preciso recuperar a génese da crise nestes dois movimentos convergentes que nos arrastaram. É preciso, sobretudo, procurar, no mais profundo da nossa experiência cristã, o que nos levará a reconhecermo-nos como irmãos e como discípulos de Cristo, para além de todas as nossas diferenças de sensibilidades culturais e mesmo políticas” (3).

III – Redescobrir o Concílio

6. Como vimos, tanto um grupo como outro têm como referência a Igreja post-conciliar, a tal Igreja preparada para a missão num mundo que mudou profundamente; mas também percebemos que entre ambos os grupos há muitos sacerdotes que não mergulharam profundamente na doutrina do Concílio, base necessária para esse novo rosto de Igreja. É preciso redescobrir o Concílio e o seu desafio de estar atento aos sinais que, apesar de tudo, nos vêm do seio desse mundo que mudou, a sugerirem o verdadeiro rosto da Igreja nesta nova etapa da missão. Não se evangeliza esse mundo identificando-nos com ele e cedendo aos seus critérios, nem propondo-lhe formas de ser que já não o interpelam. É algo novo, já anunciado por Paulo VI na “Evangelli Nuntiandi” e retomado por João Paulo II, desafiando-nos para uma nova evangelização. Esse caminho novo estamos apenas a começar a descobri-lo e exige a conversão de todos nós, a atenção aos sinais, às novas expressões do mistério de sempre. Cito-vos agora um texto recente do Cardeal Walter Kasper, referindo-se à nova evangelização da Europa: “Nesta nova situação, o Cristianismo assume hoje, num sentido muito claro, uma nova fisionomia histórica. Estamos apenas no início desta nova abertura. A Igreja é, sim, sempre a mesma em todos os séculos, mas está, também, sempre a caminho de descobrir, de maneira nova a novidade, nunca esgotada, do Evangelho. O Concílio Vaticano II indicou, a tempo, os caminhos para o fazer e pode ser uma bússola segura para o seu caminho no século XXI. Infelizmente, estamos, ainda, bem longe de termos consciencializado plenamente as proporções da mudança, do desafio a enfrentar e da necessidade de uma nova orientação missionária da pastoral nos nossos países. A força da inércia, uma mentalidade de beato que possui e o medo da novidade são grandes. Muitos querem continuar a fazer o melhor que podem aquilo que sempre se fez, mas a longo prazo isso não será possível. Devemos mudar a maneira de pensar e orientarmo-nos de maneira nova, para atravessar a “fronteira da esperança”. Para isso, serão necessárias também mudanças estruturais, mas só as mudanças estruturais fazem um buraco na água, se em primeiro lugar e antes de mais não se verificar uma abertura espiritual. Esta diz respeito a todos os membros da Igreja, de modo particular a auto-compreensão e o serviço do sacerdote. É o Espírito que dá a vida (cf. Jo. 6,63)” (4).

Citei esta página de Walter Kasper, tirada do livro que escreveu a propósito do seu jubileu sacerdotal, porque, na sua clareza e simplicidade, traça-nos as coordenadas fundamentais da renovação da Igreja e da sua forma de ser neste mundo ocidental, que tanto mudou nos últimos cinquenta anos. Diz-nos, antes de mais, que estamos apenas no início de descobrir essa nova forma de ser Igreja, o que nos convida a todos a uma grande humildade, para pôr o acento nos dados perenes do mistério da Igreja e de não considerarmos definitivas as formas de ser Igreja que inventámos ou pensamos ter descoberto. Nunca foi tão importante aprender a ler os sinais dos tempos, o que só é possível com a luz do Espírito Santo.

Diz-nos, depois, que a descoberta deste novo rosto da Igreja é um desafio a todo o Povo de Deus, na infinita variedade dos seus carismas e que, no contexto do seu dinamismo, os sacerdotes devem caminhar para uma nova auto-compreensão, descobrindo os traços novos do seu ministério, em que o fundamental deve ser o dinamismo missionário. Afirma, de forma ousada, referindo-se aos mais generosos, que não basta continuar a fazer o melhor possível o que sempre se fez. Esta afirmação é um juízo sobre a maior parte dos nossos sacerdotes. Fica também claro que este novo rosto do sacerdote tem de ser descoberto em Igreja. Uma Igreja a renovar-se gera os sacerdotes de que precisa. Qualquer dinamismo que isole os sacerdotes como um grupo à parte dentro da Igreja, pode trazer-nos consolações a curto prazo, mas não está ao ritmo do desafio que os tempos apresentam a toda a Igreja. Diz-nos, depois, que em todo este processo o Concílio é um “guia fiável”, referindo-se, claro está, ao monumento doutrinal que o Concílio é, e ao Magistério posterior que o explicita, aprofunda e aplica à prática da Igreja. Ao apresentar o Concílio como guia, convida-nos a uma releitura do Concílio, como se ele fosse escrito hoje.

7. O primeiro esforço desta releitura do Concílio é que urgentemente se situe ao nível teológico, tanto na formação inicial do clero como num esforço muito mais sistemático de formação permanente. Nestes cinquenta anos depois do Concílio, a teologia respirou a problemática cultural do post-concílio. Nos estudos filosóficos, abandonada a metafísica, ganharam relevo as chamadas “ciências humanas”, recém chegadas ao estatuto de ciências, favorecendo as diversas análises, desde a da linguagem à dos comportamentos humanos, pessoais e sociais. A teologia não foi indiferente a este processo, e o positivismo científico na análise dos textos fundantes da nossa tradição crente, e a influência imanentista das ciências humanas na interpretação do homem cristão marcaram a sua influência. Volto a citar Walter Kasper: “O sacerdote deve ser um teólogo no sentido original do termo, isto é, alguém que deve falar de Deus e da vida que recebemos de Deus; sempre compreendi a minha existência teológica como parte da minha existência sacerdotal” (5). É preciso redescobrir a Teologia como aprofundamento da fé, como caminho para escutar hoje a Palavra viva que a fundamenta; é preciso captar a complementaridade e a convergência entre a Teologia e a dimensão mística da fé.

IV – A via mística do novo rosto da Igreja

8. No seu já citado livro, Mons. Simon afirma: “Ao convidar-nos a ler os sinais dos tempos, a Igreja convida a redescobrir e a fazer redescobrir a dimensão propriamente mística da existência cristã: aqui e agora, o Ressuscitado chama-nos a viver a liberdade dos filhos de Deus e a encontrar a nossa alegria na sua presença. A Igreja propõe-nos, através dos sacramentos, entrar num mistério de ressurreição, de entrar já no mistério de Cristo morto e ressuscitado por nós. Não devemos ter medo de chamar as coisas pelo seu nome. É preciso simplesmente ousar reabilitar a mística: o dever da esperança convida-nos a uma experiência sacramental, uma experiência mística cuja realidade não se deixa reduzir a alguns fenómenos maravilhosos. Podemos mesmo dizer que quanto mais o Estado e a sociedade civil assumirem as suas responsabilidades respectivas, mais os cristãos serão convidados a darem testemunho da sua esperança. E esta esperança só tem um nome: Jesus Cristo. É, pois, vão continuar a opor presença no mundo e experiência mística” (6).

Mons. Simon faz estas afirmações para indicar a via de convergência e reencontro daqueles dois grupos de sacerdotes a que chamou “conciliares” e “identitários”, ou seja, purificar as próprias visões da Igreja e reencontrarem-se na profundidade cristológica do mistério da Igreja, a descobrir e a viver na riqueza da economia sacramental. É um desejo que não se limita aos sacerdotes e à redescoberta da sua identidade, mas que é dirigido a toda a Igreja, na redescoberta da dimensão sobrenatural da existência cristã. A identidade do sacerdote vai-se construindo e descobrindo na medida em que põe toda a riqueza criativa do seu ministério ao serviço desta redescoberta da Igreja, da grandeza do mistério a que é chamada. O “novo rosto da Igreja” e a compreensão do ministério sacerdotal vão emergindo lentamente desta dimensão mística da Igreja a construir, no seu ser e na sua missão. Tomemos consciência de que a evolução das nossas sociedades e os próprios “ventos” conciliares nos afastaram muito, na definição das nossas opções pastorais, desta prioridade do mistério, mais difícil de exprimir por caminhos adaptados num mundo que se afastou de Deus e pôs o homem no centro da História.

Olhemos o percurso da nossa catequese nas últimas décadas e a dificuldade de a centrar no ritmo catecumenal da iniciação cristã; a prioridade ao social sobre o sacramental; a compreensão da moral, tantas vezes dividida entre rigorismo e laxismo; façamos, se formos capazes, um exame de consciência sobre a nossa pregação, e sentiremos a urgência deste chamamento a recentrar os caminhos de pastoral para a construção da Igreja e, consequentemente, do nosso ministério, no mistério de Cristo e na novidade da existência cristã.

9. A Exortação Apostólica “Pastores dabo Vobis” situava já a dimensão do mistério da Igreja e do ministério sacerdotal neste reencontrar do verdadeiro rosto da Igreja para um tempo novo. “A identidade sacerdotal, como toda e qualquer identidade cristã, encontra na Santíssima Trindade a sua própria fonte, que se revela e auto-comunica aos homens em Cristo, constituindo n’Ele e por meio do Espírito, a Igreja como gérmen e início do Reino”. E recorda a seguir o Concílio que apresenta, em termos de ser e de missão, a Igreja como mistério, como comunhão e como missão e conclui: “É no interior do mistério da Igreja, como comunhão trinitária em tensão missionária, que se revela a identidade cristã de cada um e, portanto, a específica identidade do sacerdote e do seu ministério” (7).

Não estamos a reinventar o mistério da Igreja, mas estamos a tentar encontrar os caminhos para o viver, na sua radicalidade, nas circunstâncias novas do mundo de hoje.

Não há, no âmbito desta conferência, espaço para aprofundar as exigências desta descoberta em todas as dimensões da Igreja mistério, comunhão e missão. Aliás o mistério descobre-se na medida em que fizermos uma opção clara e generosa por vivermos em comunhão e em missão. A exigência da comunhão, que é com o Pai e o Filho, no Espírito, que se concretiza numa comunhão viva com Cristo, Ele que é o caminho, convida-nos a descobrir a união necessária entre a nossa vida de oração e o nosso ministério.

Mas quero sublinhar aqui a importância da comunhão eclesial, da comunhão dos nossos presbitérios, da comunhão com os Pastores e o seu Magistério, a comunhão com o Santo Padre, sucessor de Pedro, para contribuirmos solidamente para esse novo rosto de Igreja. Enquanto houver alguns, bispos e padres, que se consideram com o direito de decidir pela sua cabeça, os caminhos de pastoral, o sentido da existência moral, a maneira de celebrar, estamos a fragilizar a proposta cristã, num mundo que saberá aproveitar, com os seus critérios, as nossas divisões. A Igreja é hoje um todo global, perante um mundo globalizado. A sua proposta é um desafio gigantesco, exigente, incompreendido, contestado, rejeitado. A Igreja tem na sua unidade a sua força, a sua voz é uníssona porque é expressão de uma comunhão, porventura sofrida, mas grandiosa. O futuro da Igreja, neste mundo em que vivemos, ultrapassa as capacidades de visão e de decisão de cada um de nós. Na comunhão, sentimos a força do Espírito. É muito mais que uma questão de disciplina. As próprias normas canónicas são apenas o caminho para viver esse mistério maravilhoso da comunhão. Aliás a palavra “disciplina” tem a ver com “discípulo”, é a atitude dos discípulos, que desejam e querem o que vive o seu Mestre. Esta comunhão hierárquica exige a humildade da obediência, atitude básica de uma total disponibilidade para o serviço.

V – Servir, a totalidade do dom (8)

10. Esta total disponibilidade para o serviço define o ministério sacerdotal. O sacerdote é chamado a pôr-se totalmente ao serviço da edificação da Igreja, com tudo o que é e tudo o que tem. Esta radicalidade do serviço é a mais bela realização da liberdade; é a dimensão em que o sacerdote se humaniza, exercendo o seu ministério, porque viver a vida como um dom, a Deus e aos irmãos, é a mais perfeita realização do ideal humano, num mundo retalhado de egoísmos e busca dos próprios interesses.

Olhando para os padres de hoje, este desafio do serviço é a chave da nossa fidelidade e autenticidade. Temos de procurar a sua radicalidade e o seu sentido profundo, a sua autenticidade. Antes de mais a sua radicalidade: pôr ao serviço tudo o que somos, sabemos e temos. Muitos sacerdotes dão, neste aspecto, sinais de contradição interior. São generosos no trabalho, desmultiplicam-se em actividades, como diz o povo, “trabalham que nem mouros”, mas permanecem egocêntricos quando reivindicam autonomia de critérios, na gestão dos afectos, no estabelecer de prioridades, na atitude perante os bens materiais. Para se pôr tudo ao serviço, não basta trabalhar muito.

É por isso que é preciso aprofundar continuamente o sentido deste serviço. Não é por acaso que, na linguagem da Igreja, este serviço é chamado ministério pastoral. E o sentido desta palavra “pastoral” reenvia-nos para a figura do “Bom Pastor”. Este termo resume toda a solicitude salvífica de Deus pelo seu Povo. Na Sagrada Escritura, Deus é dito o “Pastor de Israel”, o que gera nos crentes uma confiança e segurança sem limites, como canta o Salmista: “O Senhor é meu pastor, nada me faltará; em verdes pastagens me faz repousar, para fontes tranquilas me conduz, e restaura as minhas forças. Ele me guia por bons caminhos, por causa do seu Nome” (Sl. 23,1-3). No Novo Testamento, Jesus encarna esta solicitude amorosa de Deus. Considera-se enviado como pastor às ovelhas perdidas de Israel (cf. Lc. 15,24) e chama-se a si próprio, o “Bom Pastor” (cf. Jo. 10).

Tanto no Antigo como no Novo Testamento, Deus chama alguns escolhidos a encarnarem esta sua solicitude pastoral. Eles são chamados a encarnar a ternura salvífica de Deus. Profetas ou sacerdotes, somos “sacramentos” de Deus, Bom Pastor. Quando somos pastores à nossa maneira, atraiçoamos a solicitude salvífica de Deus.

Quais são as atitudes em que a Sagrada Escritura tipifica a fidelidade destes pastores? Dão a vida pelas ovelhas; conhecem-nas pelo nome e elas conhecem-nos; guiam-nas e conduzem-nas às verdadeiras pastagens, isto é, no caminho da verdadeira vida, ao alimento indicado; preocupam-se com as ovelhas fracas e tresmalhadas; não descuram as ovelhas que ainda não pertencem ao rebanho; procuram construir a unidade de um só rebanho, sob um só pastor, isto é, trabalham com os olhos postos na eternidade.

11. Este adjectivo “pastoral” transformou-se numa categoria omnipresente no discurso eclesial.

Com a elevação à categoria de disciplina teológica, com classificação académica, a Teologia pastoral nem sempre evitou, talvez por influência das ciências humanas e mimetismo em relação à “teoria das organizações”, uma certa burocracia pastoral. Muitas vezes o “pastor” assemelha-se mais a um “gestor de empresas”, do que ao pastor que conhece as pessoas, com os seus problemas próprios e o seu ritmo de caminhada. Um pároco escondido atrás de uma grande máquina pastoral, a fazê-la funcionar eficazmente, pode não traduzir o calor amoroso do Bom Pastor. Walter Kaspter chama-lhe as novas tentações da pastoral actual: a burocratização; a prioridade dada a estruturas, com muitas reuniões, situação a que nos leva a complexidade das estruturas pastorais que criámos, mas que podem esconder o rosto dos verdadeiros pastores. Ele arrisca a indicar, para o nosso tempo, as características do Bom Pastor:

* É alguém que conduz, que tem a coragem de indicar o caminho da vida, à luz da fé. Num tempo em que há, por vezes, a tentação de adaptar o discurso àquilo que as pessoas querem ouvir, o pastor descobre-se como um servidor da verdade, alguém que sabe dizer a verdade com amor. E avisa: “o discurso vazio e a adaptação àquilo que muitos gostariam de ouvir, não é uma atitude pastoral, mas um falhanço pastoral”.

* O pastor é um amigo e servidor da vida, que identifica na sua fonte, para a qual indica o caminho.

* O pastor do nosso tempo não pode limitar-se a conviver só com os que frequentam a Igreja; vai à procura dos que abandonaram e mesmo dos que nunca foram cristãos.

* Tem uma solicitude particular pelos pobres.

* É alguém que vigia e está atento, que sabe interpretar as influências contínuas do espírito do mundo sobre a Igreja.

* Não se apascenta a si mesmo, não procura na acção pastoral vantagens próprias, sobretudo de ordem material. O desprendimento faz parte da atitude do pastor.

Recordemos a 1ª Carta do Apóstolo Pedro, onde estão apontados os deveres dos pastores da Igreja, em todos os tempos: “Faço uma admoestação aos presbíteros que estão entre vós, eu que sou presbítero como eles, testemunha dos sofrimentos de Cristo e participante da glória que vai ser revelada: cuidai do rebanho de Deus que vos foi confiado, não por imposição, mas de livre e espontânea vontade, como Deus quer; não por causa do lucro, mas com generosidade; não como donos daqueles que vos foram confiados, mas como modelos para o rebanho” (1Pet. 5,1-3).

VI – Celibato e a novidade do amor (9)

12. É impossível falar do ministério sacerdotal no contexto do mundo actual, neste início de século e de milénio, sem consideramos o desafio do celibato. Antes de mais, porque ele é contestado por uma cultura que não o compreende nem aceita, contestação que encontra expressões dentro da própria Igreja. Embora não haja aqui espaço para o tratamento sistemático do tema, não podemos deixar de apontar aqueles elementos essenciais para o enquadrar no ministério sacerdotal e situar este no quadro cultural que nos envolve.

Não é a primeira vez, ao longo da história, que o celibato, quer masculino, quer feminino, é contestado pela sociedade e pela cultura ambiente. O que muda são as formas e as motivações desta contestação. O celibato por amor do Reino dos Céus, como nós o compreendemos e procurarmos viver, não é compreensível sem a fé cristã em Cristo ressuscitado, que inaugura a via cristã de viver e dar sentido a tudo o que é humano.

No contexto do Antigo Testamento era inconcebível e a esterilidade era uma maldição. Tem a ver com o sentido da vida e da morte; esta sendo inevitável, vence-se na descendência. Os filhos são uma bênção de Deus, pois a vida dos pais prolonga-se neles; não os ter significa a ameaça do aniquilamento. A mulher, matriz da vida, é a mais sacrificada com esta perspectiva, pois o sentido da sua vida e a sua dignidade concentram-se aí, em procriarem, em garantir ao homem a descendência. A Lei de Moisés previa mesmo que, quando o marido morria sem ter dado descendência à sua esposa, o irmão a seguir tinha obrigação de desposar a viúva para lhe garantir a descendência (cf. Lc. 20,27ss). Era um direito da mulher que a poupassem à maldição da infecundidade. Esta mentalidade existe também no Império Romano, e noutras civilizações. Casar e ter filhos era um imperativo da natureza e da sociedade, diminuía o horizonte da liberdade.

No nosso tempo surgiram novas motivações para não aceitar, não diria o celibato, mas a continência. A chamada revolução sexual, foi desligando sexo e amor, controlou por métodos artificiais a fecundidade, desenvolveu uma cultura do prazer, fez da liberdade sexual o protótipo da liberdade individual, transpondo o seu sentido para a fruição pessoal, e não já como expressão da generosidade oblativa do amor pelo outro, pelos outros. Neste contexto, o celibato não basta ser afirmado, é preciso vivê-lo na linha da novidade cristã, da vida nova em Cristo ressuscitado, que é o âmbito de toda a vida da graça, incluindo o próprio ministério sacerdotal. Sublinharei alguns pontos a ter particularmente em conta na vivência deste carisma, no quadro actual da vivência do ministério sacerdotal.

13. O ponto de referência é a vivência cristã da afectividade e da sexualidade, caminho de santidade também para os que se casam, e não a liberdade sexual, quase sempre egocêntrica, do ambiente que vivemos. A referência do celibato só pode ser o matrimónio cristão como caminho de amor e de santidade. Quem vive a afectividade e a sexualidade em amor oblativo, para o que precisam da força do Espírito ressuscitado, pode compreender o celibato como caminho de vivência da afectividade e da sexualidade. Os outros só o podem rejeitar, porque nem desconfiam da sua beleza e sentido. Como estes são muitos, porventura a maior parte, o celibatário por amor do Reino dos Céus tem de aceitar não ser compreendido, ser fiel ao dom que lhe motivou uma escolha livre, sabendo que a sua vida tem o sentido profético de anúncio da novidade cristã.

Na “Familiaris Consortio”, João Paulo II afirmou: “A revelação cristã conhece dois modos específicos de realizar a vocação da pessoa humana na sua totalidade do amor: o matrimónio e a virgindade. Quer um, quer outro, na sua respectiva forma própria, são uma concretização da verdade mais profunda do homem, do seu ser à imagem de Deus” (10).

14. O celibato é uma escolha livre, uma via cristã, não pode ser imposto nem considerado como condição exigente que se aceita para se poder ser padre. A posição da Igreja é outra: não proíbe o casamento, mas escolhe os seus sacerdotes entre aqueles que optaram pela virgindade no seu caminho de amor. Que a afectividade e a sexualidade não são uma fatalidade, imposta pelas leis da natureza e da sociedade, mas são o campo de uma escolha livre, é o próprio Jesus quem o proclama, antes de mais sendo Ele próprio celibatário e proclamando que há aqueles que escolhem a via da continência por amor do Reino dos Céus (cf. Mt. 19,12). Ao proclamar a possibilidade desta escolha livre, o Senhor restitui ao casamento a sua dignidade de escolha livre. Sobretudo a mulher, que tinha a sua dignidade restringida à procriação, sente-se liberta e reconhecida na sua dignidade como pessoa. Não é por acaso que, na Igreja nascente, são as mulheres que escolhem a virgindade como caminho para seguir a Cristo, que suscitam o ideal da virgindade como caminho cristão de amor.

15. Na mentalidade contemporânea, não é tanto o celibato que choca, mas a continência no celibato. É esta que se torna caminho de convivência cristã, de amor generoso e total, tão próprio de um coração de pastor. Hoje há muita gente que não se casa por outros motivos, entre os quais uma maior liberdade social. No celibato por amor do Reino dos Céus, o testemunho é o da continência, pois só essa é expressão de um amor novo. O celibato sem continência é uma mentira. O mesmo se pode dizer do matrimónio cristão no que à “castidade conjugal” diz respeito. Para quem segue Cristo ressuscitado, descobre-se uma convergência e sintonia entre a vivência da afectividade e da sexualidade no matrimónio e na virgindade, escolhida e praticada.

16. Há uma fecundidade na virgindade por amor do Reino dos Céus. O celibato não é uma renúncia ao amor; é a escolha de um amor novo e este converge com o amor do Bom Pastor. A própria complementaridade homem-mulher encontra expressão de profundidade e de intimidade mística, onde o melhor de cada um exprime a comunhão dos santos. São Bento e Santa Escolástica, São Francisco e Santa Clara não são os únicos exemplos.

17. O celibato vivido é uma expressão profunda e libertadora do amor total ao rebanho que nos foi confiado, e é um dos aspectos em que o ministério sacerdotal é caminho de plenitude humana. A vivência deste dom pode ser o fruto de convergência e reencontro de todos os que, sinceramente, buscam um novo rosto de Igreja, quer os que, movidos pelo entusiasmo conciliar, tenham partido ao encontro do mundo, quer desiludidos com o mundo, tenham partido à procura da Igreja.

Procuremos todos descobrir a profundidade da Igreja, em Jesus Cristo, e procuremos compreender o nosso mundo, assinalando nele aberturas à mensagem de Jesus. Não queiramos ser como o mundo gostaria que fossemos; procuremos a nossa identidade no seguimento de Jesus e na liberdade dos filhos de Deus.


Notas:

1 - S. Afonso Maria de Ligório

2 - João Paulo II, “Pastores Dabo Vobis”, nº 5

3 - Mgr. Hippolyte SIMON, Libres d’être prêtres, ed. L’Atelier/Ed. Ouvrières, Paris 2001, pg. 15

4 - Walter KASPER – Servitori della Gioia – Esistenza sacerdotale – servizio sacerdotale – Queriniana, Brescia (2007), pg. 11-12

5 - Ibidem, pg. 16

6 - Mgr. H. SIMON, op. cit. Pg. 15

7 - João Paulo II, “Pastores dabo Vobis”, nº 12

8 - Para todo este capítulo ter em conta Walter Kasper, op. cit. pp. 87-99

9 - Sobre este tema aconselhamos: Walter Kasper, op. cit. pp. 71-86; H. SIMON, op. cit. pp. 65-83

10 - João Paulo II, FC, nº 11



Fátima, 2 de Setembro de 2009

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca